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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Meus navios

Durante muito tempo quis ter a consistência dos navios. Não os reais, mas os que navegam na mente. Já que achei que o mundo é apenas um acidente de percurso, dei aos meus navios um mar acidentado, para que pudessem velejar sob as escarpas das águas e destinos. Também lhes ensinei a língua dos horizontes para que pudesse. Atravessar o caos do mundo sob a lua e também um mapa medieval, para que chegassem aos mares dos sonhos. Durante muito tempo meus navios tiveram um intrigante semblante. Pareciam monumentos móveis em suas marinas distantes, a tocaiar aves ribeirinhas e amparar os pescadores cegos. Meus navios se foram e para mim ficaram as calmarias. Com elas faço inventários de areia. Dia após dia...


Do livro "LEILÃO DE ACASOS" - Francisco Orban

sábado, 27 de janeiro de 2018

No Coração da matéria





Quebro a máquina de janeiro

no coração mudo da matéria
pisando estrelas e vísceras abertas
Sigo sem destino
fingindo ter destino
com a alma talhada como pedras
Mas a sombra de um menino me acompanha
diz-me ser eu mesmo antes de mim
Digo-lhe da morte das baleias e ele ri
Acendemos incensos pela noite
acudindo vaga-lumes descuidados
que agonizam no chão áspero da terra
Criamos com a areia do mar a fórmula
de salvar o mundo
usando serragem de estrelas
mas tudo é um sonho
Ele deita o rosto no meu peito assolado
por uma poesia sem dono
e diz ouvir os navios da infância
pergunta-me quem foi Gepeto
pergunta-me o que é o cansaço
pergunta-me sobre sua mãe e seu pai
sobre todos os movimentos dos barcos
que vê e me mostra no horizonte
onde eu
cego pelo hábito de viver incrédulo
não vejo o que sei que lá se encontra

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Que seja janeiro



Que seja janeiro
de onde emergem as palavras
içadas dos parapeitos
dos dias que aqui me chegam
e se erguem para o nada

Que seja janeiro
a foz do primeiro beijo
e também deste copo
a espantar-me de mim mesmo

E que de janeiro voltem
os comboios da infância
com seus navios perdidos  
no dorso dos horizontes

E que assim janeiro nos deixe
sem as respostas procuradas a esmo
Só encontradas nos teus olhos janeiros
e nessa enseada a que chamo de teu corpo 
              No País dos estaleiros

                        Editora Kazuá - São Paulo

                                     Editorakazua@gmail.com


               Os poemas deste Blog em sua grande maioria encontram-se no livro de Francisco Orban, No País dos estaleiros.



"Grande poeta do mar e grande poeta lírico, além do mestre do poema curto , bem como da forma originada no romance viejo ibérico, Francisco Orban faz parte do que podemos chamar de vertente lírico elegíaca da poesia brasileira contemporânea.
 ( Alexei Bueno)






quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Mármore da palavra





No mármore
da  palavra
procuro a sinfonia
que me escapa
como essa noite
finda
da qual só ficou
a casca
onde se gera um poema
que ninguém abarca
Um relâmpago
do qual só se guarda
o espanto

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Bondes de Santa Teresa


O bonde e o marfim
tinham algo em comum
Mas como saber
se bonde é luar
e marfim também
Os bondes ficam
de prontidão cívica
nas noites de euforia nacional
Santa Teresa
sitiada entre as estrelas
e os sonhos
era o celeiro dos
bondes
Por lá pairam
suas almas brandas
Francisco Orban