TERRAÇO DAS ESTAÇÔES
Livro de Francisco Orban
2008
Dezembro não pertence mais as águas
agora é só uma notícia
uma casca da madrugada
descida da árvore do tempo
Dezembro não vem mais com o vento
e em minha pele trava embates
com as marcas de outras estações
As palavras ancoradas nas marinas
de Março
também acolhem dezembro
Só pelo hábito
de afagar seu rosto
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
Há muito que o mar me trouxe
como pele suas algas
Os ventos batem afoitos
nos cascalhos do meu rosto
Movido por um Deus mudo
sigo atento pelas dunas
do areal que ficou
do que um dia foi só água
Há muito que o mar me deixou
como saga seus navios
e suas escunas brancas
com as tarrafas da esperança
Das coisas do mar e do mundo
eu sou tecelão e causa
fazendo com as palavras
o que os homens fazem aos hinos
Seguindo suas calçadas
perscrutando seus caminhos
dou um sentido maior
ao meu precário destino
catando búzios do mar
como acordes espalhados
neste areal de silêncio
onde estrelas fazem
pausas
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
Estou aqui
onde o vento traz
a noite
e há lendas
e almas que escutam
Aqui, entre os tambores
dos versos
sob a lua nua
Aqui
tocando a face
salgada de uma estrela
Aqui nesta noite
regida pelas sinfonias
leves
E o que há de novo
entre o mar
e a treva
Nada
além da palavra
árida
e incompleta
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
Lido com a face secreta
do mar
aqui as pedras secam
sob o Outono
A sombra de um poema
fica
como saga de navegações
A cerração do verão sobre
as certezas
A pele da aventura
sobre o corpo
da noite
Lido com o hálito
de uma estrela
e seu sentido a iluminar
meu rosto
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
Para ter esta vida
sem eira nem beira
e descumprida
perfilei calos
sob o olhar do luar
replantei cactos
sob os músculos do dia
E os signos do mundo
se tornaram minha companhia
Eu que era só os vestígios
de um homem
Me tornei rei
sob o manto
de um sonho
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
Navegaremos por cidades perdidas
Com o bairro inesperado dos dias
faremos o inventário do outono
Olhando as estrelas a velar nossos
sonhos, resistiremos
E ombro a ombro
com nossas vidas descalças
inventaremos nas calçadas da noite
O escape do nosso degredo
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
No dia em que vi você, o equilibrio e o caos
se encontraram no mundo. Percebi que os peixes
se aproximavam, o sol me acompanhava e todas
as pedras ficavam mudas, porque você as pisava.
Vi que os caules dos poemas ficavam sólidos
com sua presença feminina e sua boca gerava contro
versias sobre a existência de Deus. Você era uma menina
que pisava sobre vaga-lumes incautos, e o seu perfume
era o das fadas hurbanas e palavras eram pouco para
desvrever você. Neste dia percebi que há um amor
que nada espera e se basta
O Tempo é a estação de dezembro
onde ventos soam imberbes
e em seu convés habitamos
como num rápido outono
E nesta viagem em que estamos
momentos são sedimentos
e os suprimentos que temos
são das colheitas dos sonhos
Espreito as pétalas do poema
denso de noite e agonia
Nele residem acesos
nacos de sabedoria
Nele fica a antiga tessitura
da palavras que em mim
ainda restam
Espreito o que fica do poema
que guarda em seu caroço
a tez do dia
Espreito este poema
em busca do que fomos antes
das mágoas
Antes de acatar espurias leis
que desataram a tez da madrugada
Antes de apagar
o lampião da palavra
o livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Um homem feito de vento
andava sobre a corda dos momentos
e nada sabia da água
e nada sabia do tempo
Um homem feito de água
rastreava a madrugada
E nada sabia de si
do andar de sua magoa
o livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Salta a lua na noite. Tudo é a imensidão do agora
Aqui estou no epicentro de um rio. Mas a mão de uma
menina me busca e me leva para a calçada das horas, onde
sinto a tez das águas. Ela me diz dos caminhos do mundo
onde a esperança desagua. No meio da chuva estava o amor
como uma granada calada. Levou-me pelas ruas do tempo
onde os pioes e as palavras dormem ainda em estado nulo
Salta o crepúsculo sobre muros e brotam poemas que se
guardam. Ao ir-se com um beijo em meu rosto me diz que
os abismos, já foram canções descuidadas
Eu estava só
e as plantas cresciam
sob o alísio
Eu namorava a alma
das estrelas vagas
sob a febre da noite
e das águas
Eu estava só
e tudo estava só comigo
assistindo à grande queda
do horizonte
sobre a claridade
das calsadas
Eras o vinho da matéria
e eu andava perto de ti
com uma rosa de sól
nas mãos
E o mundo tinha
corredores brandos
e teu rosto
me indicava
o caminho
do mar
Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Porque estive em tua presença
as águas do pensamento nasceram
Porque beijei tua boca
a canoa das horas parou
Porque era o mar e o sol
sob a chuva e o vento
Porque um abismo de facas
apagou-se sem deixar dor
Porque amanhecia quando
tu chegaste
e uma lua gigante
pousava nos ramos
da tarde
Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Há quem diga
que o nosso amor foi como o mar
com infinitos horizontes
onde nos deitávamos
cingidos por sua fala salina
com marinhas em torno de tudo
que nos dizia respeito
Há quem diga
que foi o mar que nos gerou
quando pisávamos incautos
os seus tornozelos
de água
Há quem diga
que com o mar
aprendemoa a nos afagar
e a entoar com suas canções
a oração que nos fez navegantes
Há quem diga que foi o mar
o nosso mensageiro
E todos os poemas
são traduções
de suas águas
e veleiros
Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
São redes de noites o que chega
Com a areia dos poemas nas fendas
no rosto
São faces calcinadas o que surge
vindas dos caules das canções guardadas
Sáo vagas palavras o que refaço
sob o compasso da espera
São totens largados o que resta em cada
rua sem nome
Em que notícia ficou
o teu sorriso?
Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Por que o amor tem tantas palavras
quando deveria ser só um rio.
Por que tantos tratados
quando tudo só deveria ser
o incêncio doce dos teus braços
Ando pelo silêncio do mundo
diblando os mesmos cansaços
Como um barco adernado sigo
à margem do teu sorriso
e em mim a pergunta sem sentido
Por que o amor tem tantas palavras
quando deveria ser só um rio?
Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Outubro está solto. Entre as unhas a pele
do teu corpo. Também as garrafas que joguei
ao mar não voltaram com o teu nome em
um velho verso. Não voltaram e fizeram deste
ato, um jeito de navegar. Também naveguei de mim
Para longe do que sou e do meu amor por ti.
Para os territórios da renúncia, onde moram
os viajantes da espera. Isso me soprou um dia
o mar através de um dos seus mínimos seres.
Um búzio expelido das águas, revestido por
canções de água e que ainda levo aos ouvidos,
a sussurrar você
Incubir-me do mar foi tarefa maior que meu sonho
Nisto falhei e um desastre me acompanha pela vida.
A sombra luminosa de um poema me recupera.
Nas suas dunas eu cresço, pois conheço seus endereços
ruas e vilas, onde as palavras me levam. Sou do mar e também
habitante das náufragas paisagens. Nas costas das palavras
esculpo a senha dos habitantes da noite. Agora quebro
os ossso da matéria e o que ficou do mundo.
Deito-me sobre a palha dos poemas emigrados
das metáforas incertas. A lua próxima ao teu rosto
te espreita. Teus seios apontados para o meu delírio
me afagam. Sou o sonâmbulo retornado ao dia
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
O que sei dos cavalos
ao relento
desabados dos verbos
alçados ao vento
São os sonhos do mundo
seus caminhos
São braçadas na noite
seus galopes?
Para além dos violinos
e dos sonhos
há um reino onde pernoitam
meninos
exilados das palavras
e dos rios
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Enquanto os pássaros
equilibram-se nos vãos
da madrugada
Os homens cortam
o tronco dos sonhos
e passam a pernoitar
no nada
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Navega entre as palavras
meu ofício de artesão
Imersos em rios
minha alma
de menino
O arrastão das horas
pegou de surpresa o amor
Meu olhar de pescador
só reteve a dor
e esta rede com que pesco
o destino
Navios do mar
Minhas enseadas insones que deixei
largadas ao relento
Navios do mar
Já tive o tempo do mundo
e me escorreu pelas mãos
como as luas que plantei
em tuas pátrias de vento
Hoje toco com os dedos
a tez invisível de seus dorsos
de onde advém a matéria salina
e sem rosto
com que teço suas sagas
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Sinto o lento caminho da luz
Pássaros dormem na noite em vigília
pelo mundo
Em mim jaz uma palavra seca
tirada antes da hora de seu rumo
Sinto o lento caminho da luz
pisando as pedras de um árido rumo
além dos cercados as rosas murmuram
contra o silêncio dos muros
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Eu não me lembro
desses navios
esculpidos pela noite
Longe da terra
e das migrações
do mar
Eu não me lembro
desses abismos
no coração
Navegar foi minha
forma
de pertencer
à imensidão
( (Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban )
Velejo pelo avesso de um sonho]
com os apetrechos
do que resta, vindo do convés de um sonho.
Velejo pelo avesso dos versos
e ponho sobretudos e gravatas
e sob as estrelas da noite
acolho palavras cancinadas.
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
Esta manhã não tem um
plano
fora seu outono
Esta manhã tem o visgo
de outras manhãs
Esta manhã tem
o pouso dos navios sem rosto
O Chumaço das águas
e o sopro dos avisos
Esta manhã tem o caos
de uma varanda aberta
e a lage anônima
de um poema
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
Haveria falas
neste mar
tatuado na pele
das palavras
Haveria luas
rios desaguados
no grande acampamento
da noite
Haveria noites
em que estrelas
sitiariam as águas
Haveria escuta de horizontes
dentro da ventania
E a grande seca se diluiria
com o vaga-lume dos versos
Faria sol
nos manguezais do agora
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
O mar alto
e a seca nas almas imersa
E os latifundios da noite
embrulhado nas almas dispersas
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)
Caminhava sob a grande orquestra da noite
enquanto estrelas amenas
dos pés de páginas dos poemas
uluminavam seu rosto
(Do livro "Terraço das estações"
de Francisco Orban)