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terça-feira, 31 de outubro de 2023

 


TERRAÇO DAS ESTAÇÔES


                         Livro de    Francisco Orban


                                              2008  



Dezembro

 Dezembro não pertence mais as águas

agora é só uma notícia

uma casca da madrugada

descida da árvore do tempo


Dezembro não vem mais com o vento

e em minha pele trava embates

com as marcas de outras estações


As palavras ancoradas nas marinas

de Março

também acolhem dezembro

Só pelo hábito

de afagar seu rosto


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)


Precário destino

 Há muito que o mar me trouxe

 como pele suas algas

Os ventos batem afoitos

nos cascalhos do meu rosto

Movido por um Deus mudo

sigo atento pelas dunas

do areal que ficou

do que um dia foi só água

Há muito que o mar me deixou

como saga seus navios

e suas escunas brancas

com as tarrafas da esperança

Das coisas do mar e do mundo

eu sou tecelão e causa

fazendo com as palavras

o que os homens fazem aos hinos

Seguindo suas calçadas

perscrutando seus caminhos

dou um sentido maior

ao meu precário destino

catando búzios do mar

como acordes espalhados

neste areal de silêncio

onde estrelas fazem

pausas


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)


Mar e noite

Estou aqui

onde o vento traz

a noite

e há lendas

e almas que escutam

Aqui, entre os tambores

dos versos

sob a lua nua

Aqui 

tocando a face 

salgada de uma estrela


Aqui nesta noite

regida pelas sinfonias 

leves

E o que há de novo

entre o mar 

e a treva


Nada

além da palavra

árida

e incompleta


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)


Face secreta

 Lido com a face secreta

do mar

aqui as pedras secam

sob o Outono

A sombra de um poema

fica

como saga de navegações

A cerração do verão sobre

as certezas

A pele da aventura

sobre o corpo 

da noite




Lido com o hálito

de uma estrela

e seu sentido a iluminar

meu rosto


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)


Esta vida

 Para ter esta vida

sem eira nem beira

e descumprida

perfilei calos

sob o olhar do luar

replantei cactos

sob os músculos do dia

E os signos do mundo

se tornaram minha companhia

Eu que era só os vestígios

de um homem

Me tornei rei

sob o manto 

de um sonho


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)


Inventário do Outono

 Navegaremos por cidades perdidas

 Com o bairro inesperado dos dias

faremos o inventário do outono

Olhando as estrelas a velar nossos

sonhos, resistiremos


E ombro a ombro

com nossas vidas descalças

inventaremos nas calçadas da noite

O escape do nosso degredo


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)


Você

 No dia em que vi você, o equilibrio e o caos 

se encontraram no mundo. Percebi que os peixes 

se aproximavam, o sol me acompanhava e todas

as pedras ficavam mudas, porque você as pisava.

Vi que os caules dos poemas ficavam sólidos

com sua presença feminina e sua boca gerava contro

versias sobre a existência de Deus. Você era uma menina

que pisava sobre vaga-lumes incautos, e o seu perfume

era o das fadas hurbanas e palavras eram pouco para

desvrever você. Neste dia percebi que há um amor

que nada espera e se basta


Tempo

O Tempo é a estação de dezembro

onde ventos soam imberbes

e em seu convés habitamos

como num rápido outono


E nesta viagem em que estamos

momentos são sedimentos

e os suprimentos que temos

são das colheitas dos sonhos




Lampião das palavras

 Espreito as pétalas do poema

 denso de noite e agonia

 Nele residem acesos

 nacos de sabedoria

Nele fica a antiga tessitura

da palavras que em mim

ainda restam

Espreito o que fica do poema

que guarda em seu caroço 

a tez do dia


Espreito este poema

em busca do que fomos antes

das mágoas

Antes de acatar espurias leis

que desataram a tez da madrugada

Antes de apagar

o lampião da palavra


o livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )









Cordas do momento

 Um homem feito de vento

 andava sobre a corda dos momentos

e nada sabia da água

e nada sabia do tempo


Um homem feito de água

rastreava a madrugada

E nada sabia de si

do andar de sua magoa


o livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )

Calsada das horas

Salta a lua na noite. Tudo é a imensidão do agora

Aqui estou no epicentro de um rio. Mas a mão de uma 

menina me busca e me leva para a calçada das horas, onde

sinto a tez das águas. Ela me diz dos caminhos do mundo

onde a esperança desagua. No meio da chuva estava o amor

como uma granada calada. Levou-me pelas ruas do tempo

onde os pioes e as palavras dormem ainda em estado nulo

Salta o crepúsculo sobre muros e brotam poemas que se 

guardam. Ao ir-se com um beijo em meu rosto me diz que 

os abismos, já foram canções descuidadas




 

Horizonte

 Eu estava só

 e as plantas cresciam 

sob o alísio

Eu namorava a alma

das estrelas vagas

sob a febre da noite

e das águas


Eu estava só

e tudo estava só comigo

assistindo à grande queda

do horizonte

sobre a claridade

das calsadas

Vinho da matéria

Eras o vinho da matéria

e eu andava  perto de ti

com uma rosa de sól

nas mãos


E o mundo tinha

corredores brandos

e teu rosto

me indicava

o caminho 

do mar 


 Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )






Presença de água

 


Porque estive em tua presença

as águas do pensamento nasceram

Porque beijei tua boca

a canoa das horas parou

Porque era o mar e o sol

sob a chuva e o vento

Porque um abismo de facas

apagou-se sem deixar dor

Porque amanhecia quando

tu chegaste

e uma lua gigante

pousava nos ramos

da tarde


Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )




Há quem diga

 Há quem diga

que o nosso amor foi como o mar

com infinitos horizontes

onde nos deitávamos

cingidos por sua fala salina

com marinhas em torno de tudo

que nos dizia respeito


Há quem diga

que foi o mar que nos gerou

quando pisávamos incautos

os seus tornozelos

de água


Há quem diga 

que com o mar

aprendemoa a nos afagar

e a entoar com suas canções

a oração que nos fez navegantes


Há quem diga que foi o mar

o nosso mensageiro


E todos os poemas

são traduções

de suas águas 

e veleiros


Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )


Caule das canções

São redes de noites o que chega

Com a areia dos poemas nas fendas 

no rosto

São faces calcinadas o que surge

vindas dos caules das canções guardadas

Sáo vagas palavras o que refaço

sob o compasso da espera

São totens largados o que resta em cada 

rua sem nome

Em que notícia ficou

o teu sorriso?


Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )

 

Elisabeth

 Por que o amor tem tantas palavras

quando deveria ser só um rio.

Por que tantos tratados

quando tudo só deveria ser

o incêncio doce dos teus braços

Ando pelo silêncio do mundo

diblando os mesmos cansaços

Como um barco adernado sigo

à margem do teu sorriso

e em mim a pergunta sem sentido

Por que o amor tem tantas palavras

quando deveria ser só um rio?


Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )



Fora dos presságios

 Outubro está solto. Entre as unhas a pele

do teu corpo. Também as garrafas que joguei 

ao mar não voltaram com o teu nome em

um velho verso. Não voltaram e fizeram deste 

ato, um jeito de navegar. Também naveguei de mim

Para longe do que sou e do meu amor por ti.

Para os territórios da renúncia, onde moram

os viajantes da espera. Isso me soprou um dia 

o mar através de um dos seus mínimos seres.

Um búzio expelido das águas, revestido por

canções de água e que  ainda levo aos ouvidos, 

a sussurrar você


 



Tarefa maior

 


Incubir-me do mar foi tarefa maior que meu sonho

Nisto falhei e um desastre me acompanha pela vida.

A sombra luminosa de um poema me recupera.

Nas suas dunas eu cresço, pois conheço seus endereços

ruas e vilas, onde as palavras me levam. Sou do mar e também 

habitante das náufragas paisagens. Nas costas das palavras

esculpo a senha dos habitantes da noite. Agora quebro 

os ossso da matéria e o que ficou do mundo.

Deito-me sobre a palha dos poemas emigrados

das metáforas incertas. A lua próxima ao teu rosto

te espreita. Teus seios  apontados para o meu delírio 

me afagam. Sou o sonâmbulo retornado ao dia


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )




Ao relento

 O que sei dos cavalos

ao relento

desabados dos verbos

alçados ao vento


São os sonhos do mundo

seus caminhos

São braçadas na noite

seus galopes?


Para além dos violinos

e dos sonhos

há um reino onde  pernoitam

meninos

exilados das palavras

e dos rios


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )




Dessemelhança

 Enquanto os pássaros

equilibram-se nos vãos

da madrugada

Os homens cortam 

o tronco dos sonhos

e passam a pernoitar

no nada


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )


Ofício de artesão

 Navega entre as palavras

meu ofício de artesão

Imersos em rios

minha alma

de menino


O arrastão das horas

pegou de surpresa o amor

Meu olhar de pescador

só reteve a dor

e esta rede com que pesco

o destino

Enseadas

Navios do mar

Minhas enseadas insones que deixei

largadas ao relento


Navios do mar

Já tive o tempo do mundo

e me escorreu pelas mãos

como as luas que plantei

em tuas pátrias de vento


Hoje toco com os dedos

a tez invisível de seus dorsos

de onde advém a matéria salina

e sem rosto

com que teço suas sagas


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )






Árido rumo

Sinto o lento caminho da luz

Pássaros dormem na noite em vigília

pelo mundo

Em mim jaz uma palavra seca

tirada antes da hora de seu rumo

Sinto o lento caminho da luz

pisando as pedras de um árido rumo

além dos cercados as rosas murmuram

contra o silêncio dos muros


(Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )


Migrações

 Eu não me lembro 

desses navios

esculpidos pela noite

Longe da terra

e das migrações 

do mar


Eu não me lembro

desses abismos

no coração


Navegar foi minha

forma

de pertencer

à imensidão        


                                 (  (Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban )






Avesso dos versos

 




 

Velejo pelo avesso de um sonho]

com os apetrechos 

do que resta, vindo do convés de um sonho.

Velejo pelo avesso dos versos

e ponho sobretudos e gravatas

e sob as estrelas da noite

acolho palavras cancinadas.


                       (Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)





Esta manhã

Esta manhã não tem um

plano

fora seu outono

Esta manhã tem o visgo

de outras manhãs


Esta manhã tem

o pouso dos navios sem rosto

O Chumaço das águas

e o sopro dos avisos


Esta manhã tem o caos

de uma varanda aberta

e a lage anônima

de um poema


                                 (Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)



Pele das palavras

 Haveria falas 

neste mar 

tatuado na pele

das palavras


Haveria luas

rios desaguados

no grande acampamento

da noite


Haveria noites

em que estrelas

sitiariam as águas


Haveria escuta de horizontes

dentro da ventania


E a grande seca se diluiria

com o vaga-lume dos versos


Faria sol 

nos manguezais do agora


  (Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)


Mar Alto

O mar alto

e a seca nas almas imersa

E os latifundios da noite

embrulhado nas almas dispersas


                                                    (Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Caminhante

 Caminhava sob a grande orquestra da noite

enquanto estrelas amenas

dos pés de páginas dos poemas

uluminavam seu rosto


                                   (Do livro "Terraço das estações"

                                    de Francisco Orban)