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domingo, 28 de janeiro de 2024

Quase uma intenção

 


 

Eu pisava no firmamento e chovia

Alegorias de cães quebravam a ordem do dia

Os chumaços dos avisos/que eu derramei pelo tempo

passaram a me nomear. Sem me dar conta. Sem acatar contas

Nobre é esta relva em que me deito na contramão do azul.

No leito dos últimos dias. Foi quase uma intenção sacrificar

Os pássaros   

 

 

 

 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Poema para Efigênia

 

Não poderia fazer teu retrato

porque teus olhos tristes 

não cabem nesta moldura. Teus olhos tristes

inundam o mundo. Transbordam da tua alma

de menina errante,destas pequenas cidades

onde as adolescentes minguam e pode-se ver

as estrelas. Teus olhos tristes te desnudam

em plena luz do dia

 

sábado, 6 de janeiro de 2024

LIVRO RECOMENDAÇÔES AOS SONHADORES

 LIVRO   RECOMENDAÇÔES AOS SONHADORES


                                     Francisco Orban


                                                 (6 de janeiro de 2024)

Jangada

Se ser do mar é destino

o que dizer da jangada

de toda jangada do mundo

que faz do vento jornada?

A jangada ja trançada

na salinidade da orla

pousa no mar silenciosa

para do mar ser levada

Mas o mar que a nomeia

com o vento a devora

e a insere em seu horizonte

de acaso e vôo sem hora

E entre tantos movimentos

de outros seres de água

a jangada, ja desperta,

cria novo paradeiro,

agora de ave do mar

assentada no destino

que o mar lhe trouxe de volta

Passageiros provisórios

 Você me prometia a eternidade

Por isso eu andava
com os pulsos abertos
para a esperança
E deitava-me com os signos do mar
os cavalos marinhos
das noites sussurradas
no coração sem pátria
da poesia
Você me prometia o mar
um país de claridades
sobre as ruas silenciosas dos dias
E eu caminhava
com meu corpo apaixonado pelo seu
na sombra clandestina da tarde
nas noites onde o seu seio me afagava
Você com o seu cheiro e a sua carne
onde outros escreveram caminhos
e eu  fui buscar uma rosa
para o seu olhar
que detinha o poder das horas
entre os sinos
que tocavam o nascimento do mundo
sem saber que éramos
passageiros provisórios

Construções de navios

A construção de um navio
requer harmonias
e razões inéditas.
Para que seu leme
perceba um destino,
exige-se a prontidão cívica
dos sonhadores.
Um convés que comporte
a salinidade sob estrelas
e um rumo que o norteie
para além da precisão 
da noite.
Faz-se isso necessário
para que o brilho
de sua história
se concretize.
E o processo de velejar
sobre os matizes
o incorpore à ruidosa
estação do mar,
que o tange para sempre,
para além da noite
e da vertigem

Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

 

Anos setenta

A década de setenta
foi meu último Quilombo.
Dela eu bebo
uns crepúsculos de outonos
no gargalo
um mapa da Riachuelo
o gosto de um breve janeiro

Desse Quilombo guardo
o passaporte falso de estrangeiro
a pele dos que viveram  furacões
as mãos dos condutores de veleiros

Desses anos trago
a roupa da aventura que vestia
e um velho violão inadequado
para a nova ordem da mobília

 

Redes de vento

Trabalhar o mar
trabalhar as mãos talhadas pelo tempo
com elas esculpo signos
tenazmente pela madrugada

Com elas movo moinhos
que me movem por países de silêncio
onde espreito as palavras
com minhas redes de vento

Esta é a função que exerço
semear na pátria das falas

Esta é a função que entendo
noite a dentro com as palavras
por estações de vocábulos
e calendários de águas


             Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban 

Açude aberto

Mar
açude aberto
em que terraço 
de água
achei o convés
de teus versos?
Quando teu verbo
era o que me navegava
e na palma dos teus veleiros
esculpiste os ventos
que eu buscava

Mar
país de águas
assentado
nas almas
dos pescadores
que conhecem
tuas calmarias

Teu modo de encantar
as vidas
antes de salgá-las

               Do livro "Recomendaçonhadores" de Francisco Orban 

Migrações

Do deserto também

nascem pássaros.

Aqui mesmo

em minhas mãos,

- terraço de suas revoadas -

encontro o barco

das migrações

perdidas


                           Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

Seca

Não havia lagos mas o silêncio. E um latifúndio de acasos submersos. E uma estação fria, sem mapa. E a seca dos versos não escritos. Não havia tempo mas um território de ventos e verbos. E uma pequena canoa onde desciam pela grande noite, levando o livro das utopias breves. As que movem o mundo e se ausentam.



          Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Navios de agosto

 Já não te aguardo

foste levada

pelos navios de agosto

e no ocaso da noite

escolheste

a fúria dos

acontecimentos

Já não te aguardo

derramaram-se as palavras

e o silêncio agora é esta mesa

e o cansaço agora é esta sala

Não te aguardo

nem me aguardas


    Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban


Cantar dos galos

 Eu me quedo

com os ossos fatigados

e as palavras mordidas

entre o hálito das fadas

E o silêncio atenuado

pelo cantar dos galos

que estronda 

e esvai-se 

no horizonte

             Do livro "Recomendações aos sonhadores"
]
                                    de Francisco Orban
               

Cercados do tempo

Escrever com dor
fere as palavras
que moram nos cercados
do tempo
Assim prefiro levá-las
às tardes onde pousa
a lua
Assim prefiro deixá-las
nas noites feitas
de vento

Trago as palavras
que são músicas
para os silêncios
que são falas

Longe das vozes
mudas
que são muros

                         Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

 

Altar das ruas

 Não foi o homem cego

que não atravessou a cidade
com as mensagens oceânicas
que ficaram por ser ditas
Não foi o topo da ilha
onde se largaram
no movimento das águas

vidraceiro de mãos cortadas
menino ambulante com mãos de amendoim
não vendido
vendedor de cocada expulso
de seu pequeno reino
moça atirada do trem sem vestes
homem sonhador morto
estatístico cansado de toda estatística

Para onde iremos depois de tudo
perambulantes da noite
entre multidões sedadas
com os anos da inocência esquecidos
com os andaimes das horas esgotando-se

Senhor convidado para o jantar
mulher culta do olhar desolado
para onde iremos
sem as palavras

do altar das ruas?

Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

País sitiado

 Não é porque dormes

Marina
dentro de um país
sitiado
que esquecerei nossa luta
nem os versos itinerantes
nem os bancos das praças
onde dormíamos
porque não havia
mais endereços

não é porque caímos
neste cotidiano das palavras
que esquecerei
do espírito do mundo
pregado na nossa pele
quando o mal era uma canção
sem versos
e o bem era o silêncio ao longe




Semblante de água

De que fala esse homem
com seu semblante de água
imóvel velejando
nesse escombro de sonho?

De que fala esse homem
nessa cidade de prata
sobejo de agosto na boca
redemoinho sem rosto?

De que fala esse homem
com sua utopia sem nome
e o beijo das fadas
embrenhado no corpo?


                Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban 

Dirás

Dirás de mim
que vim do abismo
e os veleiros nos seguirão
pelo mundo

Dirás de mim
que vim do abismo
e em teu corpo farei
as canções que a terra
pede
e minhas mãos serão
a pousada do teu
abandono


 

Como dentro de um transe

 Deixaram os cavalos partir. Agora galopam namorando a lua e seguem o rastro dos ventos. Vindos das águas e das ilhas, correm pela noite como dentro de um  transe. Com seus músculos em sintonia com o mundo, os cavalos não sonham as palavras dos homens. Exacerbados pelo enigma que os consome e lhes concede um tempo breve feito de  ternura e fúria.




            Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

Encontro com o mar

 Esse encontro com o mar

não foi acaso;

veio com o destino

que nos rege

que a uns escolheu

para a alegria

e a outros oferece

sua face

Esse encontro com o mar

não foi acaso

suas dunas salgadas

e veleiros

movem os sonhos

que um dia me moveram.

A ordem implantada

 Eu estive no jardim sem fala

dos esquecidos

e atirei pedras

no grande saguão

da ordem implantada


E me lembrei da vida

dos ciganos

entre milhões de carros

estagnados


E minha gente assistiu 

à morte do mundo impossível

e molhou a mão em vastos

horizontes

para acordar em valas

Se esta rua fosse minha

Se esta rua fosse minha

não seria este alagado

de carros e vidas

provisórios

Eu a pontuaria 

com os acordes dos violinos

da terra

e em cada esquina ergueria

um parque

com bancos para os homens

sentassem

e pausa para que meditassem

sobre o que fizeram

Se fosse minha

eu a cultuaria com os vinhos

do mundo

e ergueria em cada esquina

um teatro

para que as mulheres com seus 

encantos cantassem

pelos que vão nascer

 

hastes de poemas

 Só no meu peito

- casebre das estações

 perdidas

 guardei as hastes

 dos poemas

 arrancados