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domingo, 31 de dezembro de 2023

Navios do mar

                                

Navios do mar
recostados no movimento 
da tarde
Quantas vezes
contemplei
seus destinos
enquanto o vento
da paisagem
sobre outubro
e seus verbos
folheava as rimas
do improvável

Há quem me traga
agora
seus caminhos
sem costados
a tese de seus passageiros
cegos
o mapa de seus mundos
submersos
Enquanto eu
refaço em mim
o percurso
de seus visionários
as dunas dos aquáticos
diálogos
que ficaram
nos caminhos
do mundo

                        Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

Nélia

 Quanto navios recostavam

no teu rosto

quando eu te amava

e canções sólidas pousavam

nas nossas mãos livres

quando o tempo era uma eternidade

disponível


Agora te afastas

como um dia me fui de ti

sem motivos

quando nos amávamos

sem palavras

enroscados nas canções

da noite


             Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Fran
cisco Orban

Advento do verbo

O outono tem uma sinfonia
Vejo-o  com o olhar
dos que sonham
Para o outono nasci
mas me perdi
de sua aventura
Não o acho na noite
que construí
não o acho
no advento do verbo
nem no dorso
das canções belas
Para o outono nasci
mas o perdi
no córrego das ruas
e isso deixou sequelas
e deixou-me
as mãos largadas
e me trouxe
o silêncio dos pescadores
que tangeu
de mim meus navios
dizem que para a lua



               Do livro "Recomendações aos sonhadores"

                                 de Francisco Orban 

Reis magos

 Levavam a mirra

para o que ainda nasceria

com a terra sob os pés

e águas diluvianas próximas

Dentro do corredor da noite

levavam nas mãos

a palha dos anos

o rosto crucificado

de um Deus deposto

Não fosse a ordem

que os fazia caminhar

pelo deserto

seriam outros

Não guardariam em si

as dunas silenciosas

da imensidão

Vantagens de um pescador

As vantagens de um pescador

são muitas

As juntas de seus ossos

não se cansam

de tanta escuridão

Pois este pescador

trabalha com as ruas

Sabe que a matéria

de seu arrastão

são as palavras

que se esqueceram

de acontecer

 

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Velha roupa de madrugadas

Se os veleiros 

não nos seguirem mais 

pelo mundo

outras palavras nomearão

as coisas

Uma velha roupa de madrugadas

não terá mais sentido

e os vínculos com os sonhos

estará desfeito


Mas o que impediria os veleiros

de permanecer tão janeiros

em sua vigília de brancas velas

no mar amarrotado de ventos


           Do livro de Francisco Orban, Recomendações aos sonhadores, (Ed 7Letras)

                                      

O Poema de areia

Vejo em teu rosto

uma integridade tão bela

que a mim me pergunto

se não o guardarei para sempre

pelas estações da terra


Queria beijar-te

andar junto contigo

correr pelo corredor da noite

e contar-te que fui um menino

de vento

e que já te amava

mesmo antes de amar os navios

já te amava, quando tudo ainda

era o perfume da possibilidade

e a areia do amor

escorria por nossas mãos

nas tardes abertas

pelo sentimento de saber

que o amor estava ao nosso alcance

como os navios a poesia e os carnavais


O que aconteceu

me pergunto?

E mudo sigo pela cidade

com a foto do teu rosto

no coração,

Um tempo sem fim

ainda falta

para viver sem saber

o que a febre do nosso amor

nos traria

com sua leveza

seu estado de comunhão

e alegria

Pergunto agora aos veleiros

por que te aceno em vão pelo mundo

e por que a mim couberam as mãos

dos que esperaram tudo?

e novamente me vejo

diante de teu rosto

de uma integridade tão bela

que meu amor te seguirá para sempre

pelas estações da terra

como um dia, a mim seguiram

os navios a poesia e os carnavais


     Do livro "Recomendações aos sonhadores"

                          de Francisco Orban





quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

ônibus 614

 

A noite por dentro das horas e do amor

e os rostos deitados no chão do mundo

Assim caminháva-se

Trinta milhões de cigarras na pele das calçadas

e as pedras suando

e o cheiro de rio mata e silêncio

e eu sem saber navegar

e sem saber do mar

e o ônibus 614 levando os meninos 

e meninas

com seus destinos de vento

e se embrenhando por outros caminhos

e não chegando ao seu paradeiro

Nada mais se sabe desta terra

nem do rosto dos seus encantados

nem das disputas de carros

nas madrugadas das noites

de  um mundo sem fuso- horários

O  ônibus 614 passou

me arrastando para fora do tempo

para onde me deixei levar


Éramos filhos da terra

e havia os heróis desavisados

os balões que subiam nas noites acesas

e seus caçadores pela madrugada

e o espírito da mata sobre os sonhadores

e os primeiros amores

e as guitarras que cumpriam seus acordes

e os dias com seus mares abertos

fora do tempo, onde caiu pelo ralo

a chave do mundo

e meu destino sem retorno

juntos


Ventava nas janelas do tempo

ventava dentro da vida e da morte

ventava entre os versos vedados

e um rio entre nossas mãos passava

e nossas mãos desciam pelo rosto do mundo

onde o ônibus 614 passava

antes de embrenhar-se no nada

e nos amarrar para sempre

nas tramas do absoluto

O ônibus 614 atravessou vinte quadras

antes de cair no infinito




Um rio atravessava a cidade

sob a chuva que se estendeu por cem horas

entre pedras caminhões estrelas mortas

tudo desceu pelo dedo das horas

naquela vida assombrada

em que para sobreviver era preciso nascer
 
em que para nascer era preciso descer

no ônibus 614

em um dia qualquer de fevereiro

no ano de 1968

em um mundo sem palavras

em pleno estado de comunhão

Não estava escrito nos braços

dos navegantes

nem no navio que nos fez sair

do dia comum

onde nos vimos em silêncio

recostados nos mesmos  bares e verbos

imunes ao tempo e seu grande cenário

enquanto o ônibus 614

passava

levando os meninos e meninas

com seus destinos de vento

Ventava nas janelas do tempo

ventava dentro da vida e da morte

ventava entre os versos vedados

e um rio entre nossas mãos crescia

e sua face era um rosto de terraços

a nos amarrar para sempre 

nas tramas do absoluto



O ônibus 614 atravessou vinte quadras

antes de cair no infinito

Tramo com o dia um poema

que se torne passagem

Tramo com os pescadores

uma canção para ninar o mundo

Enquanto o mundo não se nina

eu nino meu filho que me afaga

esperando o ônibus 614

que sempre me acena com a sua viagem impossível

antes de capotar nas ruas reais do dia

O ônibus 614 desceu a rua Rocha Miranda

e viu Cristina Maria feita de adolescência

e passou por dentro do tempo

entre as árvores desencontradas da esperança

pela experiência de ser guiado por uma estrela

que também por nós se guiava

pelos corredores azuis da noite

com o mapa do mar no bolso

com o mapa das águas no coração

Mínimos meninos

pisando nos trilhos de um trem que ia da alegria

a Itaguaí

mas que foi desativado

como foram oceanos

bichos palavras amores amigos

lutas violões ventanias

    
                       Do livro de Francisco Orban, Recomendações aos sohadores 
                                                                            ( Ed 7Letras)





quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Sobre existir

 Não existimos. Somos apenas o sonho de alguém que nos sonha. Quem escreveu isto foi Borges, e no século passado e ainda na Argentina, e precisamente em Buenos Aires, quando esta era uma esplêndida cidade, um enclave europeu em nosso degradado continente. Somos a realidade de alguém que nos sonha, acreditou Borges até a sua morte, sem poder imaginar as redes sociais que invadiriam o mundo afastando os livros, os sonhos e os homens. Talvez o próprio Borges, mesmo que exilado das palavras, ainda possa sonhar a Buenos Aires em que viveu, com suas pacatas vidas, cientes do que seriam do começo ao fim. Quanto a nós, os deserdados dos sonhos , nos empenhamos em nadificar tudo que cai em nossas mãos. Borges dorme na plenitude do nada e nós nos quedamos na solidão aprastadora de saber que o futuro se fez uma incógnita que os pósteros terão que reiventar. ( Francisco Orban)

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Navios do sol poente

 

 

 

 

Os navios que seguem o sol poente

desceram pelo rio da minha cidade

No bagageiro traziam

um cesto a mais de dias

aos navegantes incautos

que não abraçaram os momentos

Os navios que por minha vida

passaram

me ensinaram a existir

Reminiscencias

 




ISTO ACONTECEU NO TEMPO DA CHUVA. 

             FORA DAS ÉPOCAS OFICIAIS



                                              Do livro de Francisco Orban, Leilão

                                              de acasos

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Canções de ninar

 Dormem os meninos de Gaza

em travesseiros de pedra

Esta é a canção de ninar

que lhes reserva  o planeta

Firmamento

 Eu pisava no firmamento e chovia

Os chumaços dos avisos, que eu derramei

pelo tempo, passaram a me nomear

Sem me dar conta, sem acatar contas

Nobre é esta relva em que me deito

na contramão do azul

No leito dos últimos dias

Hardware

 Veja. Estas são as mãos que sangram

 Crispadas pelo tempo e pelas

 boas intenções do bem

 São partes deste hardware cansado

 a perigrinar pelos aeroportos

 inuteis

 achando que porta

 um deus calado

domingo, 17 de dezembro de 2023

Calendários

                         Poema dedica à Sonia 


 

Declinei de mim

ao seguir oráculos

larguei-me no ocaso

das horas

buscando a exaustão

da aurora

 

Finquei pé em um país

invisível

onde os desterrados

me acenavam 

 

Este é o meu legado

semear palavras

em silêncio

sem exaurir

os calendários

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

 

A Colheita da água

                     

 

                         Francisco Orban

 

Jornada

 


 

Meus silêncios me carregam

assim como o vento as jangadas

que às vezes chegam ao destino

e às vezes a quase nada

 

E como todos silêncios

que oferecem jornadas

também neles faço abrigo

a permanente morada

 

 

Mar adentro

 


 

Como procuração trouxe o mar

para as grandes estiagens

que viriam

e por isso para sonhar

tenho barcos, enseadas

as tardes abrasantes

destes dias

 

Como procuração tenho o mar

que me segue à minha revelia

 

Escambo


 

Como os veleiros se foram

deixando meus pensamentos

se já foram os estaleiros

de minha cota de sonhos

 

Como se foram no vento

levando meus sentimentos

Se com os veleiros e o mar

Já tive uma forma de escambo

 

  

Quebração

 


 

Traziam nas redes os peixes

e a quebração da aurora

E este era sempre o enredo

de suas vidas caladas

 

No mar que não tem encostas

nem cercas em suas jornadas

traziam para salgar

o que o mar ofertava

 

Usando na salgação

as suas vidas salgadas