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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Navios do mar

 


                                

Navios do mar
recostados no movimento 
da tarde
Quantas vezes
contemplei
seus destinos
enquanto o vento
da paisagem
sobre outubro
e seus verbos
folheava as rimas
do improvável

Há quem me traga
agora
seus caminhos
sem costados
a tese de seus passageiros
cegos
o mapa de seus mundos
submersos
Enquanto eu
refaço em mim
o percurso
de seus visionários
as dunas dos aquáticos
diálogos
que ficaram
nos caminhos
do mundo

terça-feira, 2 de abril de 2024

Janeiro e o mar

 Eis  a prova de que janeiro antecedeu o mar, quando navegávamos errantes em um mundo que antecedia os nomes. Eis que janeiro nos navegou pelos barcos dos acasos e já não há como voltar. Eis que Janeiro se desdobrou e trago nos olhos o êxtase de sua estação. Agora quero  abraçar janeiro, sem as neblinas que se tornam antolhos. Se assim cegos voltam os navios negreiros, se assim cegos não teremos mais  enseadas, se assim cegos restará uma longa espera. Um dia sangrei os navios e depois os desovei no mar. Um dia desci pelo quebranto da aurora. Janeiro não pertence mais as águas. Janeiro agora é só uma cilada. O escalpo aguado de um sonho.

 

 

 

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Jornada

 


 

 

 

Precários são os andaimes

desta vida desgarrados

minha jornada é por demais densa

para a minha alma alada

 

Pois me encantei com as palavras

que em mim pousam  em silêncio

e não há porta ou janelas

para tange-las de perto

 

Elas são os meus navios

com que navego no incerto

 

 

Ruas

 

 

Esta rua sempre esteve aqui

e nos esperava com suas calçadas

alagadas de madrugadas

Sempre; mesmo antes de existir

ela já se plasmava  no sonho

de algum passante

que a pressentiu e a sonhou

infinitas vezes

para que ela assim se erguesse

feita de sonho e jasmim 

domingo, 31 de março de 2024

Menina solar

 É uma estrela cadente

uma mulher solar

De perto uma menina

vestida só de luar

Assim como as sereias

que regem as águas do mar

Fez ela em meu coração

por não podê-la abarcar

essa dor que não se encerra

sempre a passar sem passar


                       (Poema dedicado a Ana Carolina)


O enredo das águas

      

 

Não sou eu que escrevo o poema

mas este inquieto espírito alado

desgarrado das ânforas do infinito

Aqui, há muito tempo a acompanhar-me

 

Não sou eu que os escrevo

quando o mar bate em mim como costados

e me oferece dos búzios seus enredos

e águas sussurradas

 

Não sou eu que o escrevo

mas este ente sempre inalcançável

que me fala pela alma dos barcos

 

e me concede paisagens

para logo transmutá-las em estiagens

 

 

  

sexta-feira, 29 de março de 2024

Tarrafas

 


 

Quantas palavras pesquei

no indizível

Para viver eu segui

os acenos do mar

e tentei alardear

sua conspiração com o azul

sua sujeição à aurora

e açudes imprevisíveis

Mas para achar a radiância

me fiz valer da poesia

Ela me traz os barcos

que me levam às dunas

do sagrado

 

 

Conselho na praia

 


 

 

 

 

Não aplume a vela das jangadas

deixe os ventos do mar cumprir essa jornada

Pois elas tangenciam e colhem o sal do mundo

e tu só tens os remos das palavras

Portanto não afronte os horizontes

pois eles são a morada das águas

e se esses ventos hoje salgam os dias

amanhã te darão uma enseada

domingo, 24 de março de 2024

Laje branca

A noite arada pelo vento te afaga com seus elementos, mas os teus olhos sobre a laje branca já nao tem o ar cansado dos passantes. Em ti ancoram ínfimos os navios dos teus poemas, mas estás aqui alheio à multidão de signos. Tens por fim somente a companhia de teus versos que nesta madrugada pousam leves como bichos ariscos de outros universos.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Adornos

 

Se a dor não passa

 adorne-se com os poemas

 e a brandura com que

 aquecem

 a imprecisão  cruel 

 do mundo

 Tudo é uma matemática 

 clara

 no chão da poesia

 onde a vida desconhece

 as coisas que não amanhecem

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Na carne

 

       

 

 

O sol do cosmos na carne viva

Caminho com as costelas quebradas

de outra vida

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Insone


 


 

A mulher que acorda os pescadores

Levanta-se cedo para fertilizar o mundo

Levanta-se suada e linda, antes do nascer do sol

com as palavras que a saciam já entranhadas

na carne, mas que desconhecem sua alma de menina.

A mulher que acorda os pescadores finge não saber

o que os poetas sabem  

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Olhos opacos


 

 

Aqui te entrego o meu corpo cumprido

Os olhos já opacos sem mais brilho.Os braços

sem os músculos do olimpo. Uma tímida barriga

debruçada. Uns cabelos ralos desgarrados.

Te entrego minhas mãos cansadas, com as manchas

senis das estradas. As longas memórias remotas.

Os curtos descuidos dos instantes

e uma alma errante e adestrada 

para dublar o já vivido 

domingo, 28 de janeiro de 2024

Quase uma intenção

 


 

Eu pisava no firmamento e chovia

Alegorias de cães quebravam a ordem do dia

Os chumaços dos avisos/que eu derramei pelo tempo

passaram a me nomear. Sem me dar conta. Sem acatar contas

Nobre é esta relva em que me deito na contramão do azul.

No leito dos últimos dias. Foi quase uma intenção sacrificar

Os pássaros   

 

 

 

 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Poema para Efigênia

 

Não poderia fazer teu retrato

porque teus olhos tristes 

não cabem nesta moldura. Teus olhos tristes

inundam o mundo. Transbordam da tua alma

de menina errante,destas pequenas cidades

onde as adolescentes minguam e pode-se ver

as estrelas. Teus olhos tristes te desnudam

em plena luz do dia

 

sábado, 6 de janeiro de 2024

LIVRO RECOMENDAÇÔES AOS SONHADORES

 LIVRO   RECOMENDAÇÔES AOS SONHADORES


                                     Francisco Orban


                                                 (6 de janeiro de 2024)

Jangada

Se ser do mar é destino

o que dizer da jangada

de toda jangada do mundo

que faz do vento jornada?

A jangada ja trançada

na salinidade da orla

pousa no mar silenciosa

para do mar ser levada

Mas o mar que a nomeia

com o vento a devora

e a insere em seu horizonte

de acaso e vôo sem hora

E entre tantos movimentos

de outros seres de água

a jangada, ja desperta,

cria novo paradeiro,

agora de ave do mar

assentada no destino

que o mar lhe trouxe de volta

Passageiros provisórios

 Você me prometia a eternidade

Por isso eu andava
com os pulsos abertos
para a esperança
E deitava-me com os signos do mar
os cavalos marinhos
das noites sussurradas
no coração sem pátria
da poesia
Você me prometia o mar
um país de claridades
sobre as ruas silenciosas dos dias
E eu caminhava
com meu corpo apaixonado pelo seu
na sombra clandestina da tarde
nas noites onde o seu seio me afagava
Você com o seu cheiro e a sua carne
onde outros escreveram caminhos
e eu  fui buscar uma rosa
para o seu olhar
que detinha o poder das horas
entre os sinos
que tocavam o nascimento do mundo
sem saber que éramos
passageiros provisórios

Construções de navios

A construção de um navio
requer harmonias
e razões inéditas.
Para que seu leme
perceba um destino,
exige-se a prontidão cívica
dos sonhadores.
Um convés que comporte
a salinidade sob estrelas
e um rumo que o norteie
para além da precisão 
da noite.
Faz-se isso necessário
para que o brilho
de sua história
se concretize.
E o processo de velejar
sobre os matizes
o incorpore à ruidosa
estação do mar,
que o tange para sempre,
para além da noite
e da vertigem

Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

 

Anos setenta

A década de setenta
foi meu último Quilombo.
Dela eu bebo
uns crepúsculos de outonos
no gargalo
um mapa da Riachuelo
o gosto de um breve janeiro

Desse Quilombo guardo
o passaporte falso de estrangeiro
a pele dos que viveram  furacões
as mãos dos condutores de veleiros

Desses anos trago
a roupa da aventura que vestia
e um velho violão inadequado
para a nova ordem da mobília

 

Redes de vento

Trabalhar o mar
trabalhar as mãos talhadas pelo tempo
com elas esculpo signos
tenazmente pela madrugada

Com elas movo moinhos
que me movem por países de silêncio
onde espreito as palavras
com minhas redes de vento

Esta é a função que exerço
semear na pátria das falas

Esta é a função que entendo
noite a dentro com as palavras
por estações de vocábulos
e calendários de águas


             Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban 

Açude aberto

Mar
açude aberto
em que terraço 
de água
achei o convés
de teus versos?
Quando teu verbo
era o que me navegava
e na palma dos teus veleiros
esculpiste os ventos
que eu buscava

Mar
país de águas
assentado
nas almas
dos pescadores
que conhecem
tuas calmarias

Teu modo de encantar
as vidas
antes de salgá-las

               Do livro "Recomendaçonhadores" de Francisco Orban 

Migrações

Do deserto também

nascem pássaros.

Aqui mesmo

em minhas mãos,

- terraço de suas revoadas -

encontro o barco

das migrações

perdidas


                           Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

Seca

Não havia lagos mas o silêncio. E um latifúndio de acasos submersos. E uma estação fria, sem mapa. E a seca dos versos não escritos. Não havia tempo mas um território de ventos e verbos. E uma pequena canoa onde desciam pela grande noite, levando o livro das utopias breves. As que movem o mundo e se ausentam.



          Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Navios de agosto

 Já não te aguardo

foste levada

pelos navios de agosto

e no ocaso da noite

escolheste

a fúria dos

acontecimentos

Já não te aguardo

derramaram-se as palavras

e o silêncio agora é esta mesa

e o cansaço agora é esta sala

Não te aguardo

nem me aguardas


    Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban


Cantar dos galos

 Eu me quedo

com os ossos fatigados

e as palavras mordidas

entre o hálito das fadas

E o silêncio atenuado

pelo cantar dos galos

que estronda 

e esvai-se 

no horizonte

             Do livro "Recomendações aos sonhadores"
]
                                    de Francisco Orban
               

Cercados do tempo

Escrever com dor
fere as palavras
que moram nos cercados
do tempo
Assim prefiro levá-las
às tardes onde pousa
a lua
Assim prefiro deixá-las
nas noites feitas
de vento

Trago as palavras
que são músicas
para os silêncios
que são falas

Longe das vozes
mudas
que são muros

                         Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

 

Altar das ruas

 Não foi o homem cego

que não atravessou a cidade
com as mensagens oceânicas
que ficaram por ser ditas
Não foi o topo da ilha
onde se largaram
no movimento das águas

vidraceiro de mãos cortadas
menino ambulante com mãos de amendoim
não vendido
vendedor de cocada expulso
de seu pequeno reino
moça atirada do trem sem vestes
homem sonhador morto
estatístico cansado de toda estatística

Para onde iremos depois de tudo
perambulantes da noite
entre multidões sedadas
com os anos da inocência esquecidos
com os andaimes das horas esgotando-se

Senhor convidado para o jantar
mulher culta do olhar desolado
para onde iremos
sem as palavras

do altar das ruas?

Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

País sitiado

 Não é porque dormes

Marina
dentro de um país
sitiado
que esquecerei nossa luta
nem os versos itinerantes
nem os bancos das praças
onde dormíamos
porque não havia
mais endereços

não é porque caímos
neste cotidiano das palavras
que esquecerei
do espírito do mundo
pregado na nossa pele
quando o mal era uma canção
sem versos
e o bem era o silêncio ao longe




Semblante de água

De que fala esse homem
com seu semblante de água
imóvel velejando
nesse escombro de sonho?

De que fala esse homem
nessa cidade de prata
sobejo de agosto na boca
redemoinho sem rosto?

De que fala esse homem
com sua utopia sem nome
e o beijo das fadas
embrenhado no corpo?


                Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban 

Dirás

Dirás de mim
que vim do abismo
e os veleiros nos seguirão
pelo mundo

Dirás de mim
que vim do abismo
e em teu corpo farei
as canções que a terra
pede
e minhas mãos serão
a pousada do teu
abandono


 

Como dentro de um transe

 Deixaram os cavalos partir. Agora galopam namorando a lua e seguem o rastro dos ventos. Vindos das águas e das ilhas, correm pela noite como dentro de um  transe. Com seus músculos em sintonia com o mundo, os cavalos não sonham as palavras dos homens. Exacerbados pelo enigma que os consome e lhes concede um tempo breve feito de  ternura e fúria.




            Do livro "Recomendações aos sonhadores" de Francisco Orban

Encontro com o mar

 Esse encontro com o mar

não foi acaso;

veio com o destino

que nos rege

que a uns escolheu

para a alegria

e a outros oferece

sua face

Esse encontro com o mar

não foi acaso

suas dunas salgadas

e veleiros

movem os sonhos

que um dia me moveram.

A ordem implantada

 Eu estive no jardim sem fala

dos esquecidos

e atirei pedras

no grande saguão

da ordem implantada


E me lembrei da vida

dos ciganos

entre milhões de carros

estagnados


E minha gente assistiu 

à morte do mundo impossível

e molhou a mão em vastos

horizontes

para acordar em valas

Se esta rua fosse minha

Se esta rua fosse minha

não seria este alagado

de carros e vidas

provisórios

Eu a pontuaria 

com os acordes dos violinos

da terra

e em cada esquina ergueria

um parque

com bancos para os homens

sentassem

e pausa para que meditassem

sobre o que fizeram

Se fosse minha

eu a cultuaria com os vinhos

do mundo

e ergueria em cada esquina

um teatro

para que as mulheres com seus 

encantos cantassem

pelos que vão nascer

 

hastes de poemas

 Só no meu peito

- casebre das estações

 perdidas

 guardei as hastes

 dos poemas

 arrancados