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domingo, 23 de dezembro de 2012

TABULEIROS

                                       TABULEIROS           Francisco Orban



            Um homem, desses que moram a vida inteira em um casebre, sonhou que Deus lhe dizia que a vida poderia ser dotada de aventuras e prazeres inenarráveis. Quando acordou, ao contrário de Dante em Ravena, não teve a impressão de que algo infinito tinha se perdido e que a revelação era por demais grandiosa para a sua pequena condição de homem. Pelo contrário, cada palavra pronunciada tinha se entranhado na carne de seus afetos e, agora, engrandecido pelo que sabia, já não concebia morar em brejo de lamas eternas na caça de pequenos moluscos para a sua sobrevivência. - Deus sabe o que faz, intuiu consigo, e partiu  com seus andrajos para a cidade mais próxima para relatar aos demais homens a revelação divina e toda a euforia e encantamento que dela adveio. No lugarejo, entretanto, não encontrou ninguém que lhe desse atenção nem foi ouvido pelos transeuntes apressados que nem tomaram conhecimento de sua existência. Com o fim do dia, a noite caiu subitamente como um grande tabuleiro de trevas e o homem descobriu que apenas um bêbado o escutara confusamente e que continuava só e em um mundo sem amor e que a revelação gloriosa com que tinha sido contemplado apenas despertara nele uma dor absurda e mesclada de indignação e revolta. Então adormeceu e Deus, compadecido dele, lhe disse em sonho que esquecesse tudo o que ouvira. Quando acordou, sequer se lembrou de que algo infinitamente assombroso se perdera e assim viveu o resto de sua vida catando os moluscos na lama do brejo onde nascera, confortado e protegido pela impossibilidade de compreender a si e ao mundo

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