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sábado, 23 de agosto de 2014

Ônibus 614

         

A noite por dentro das horas e do amor
e os rostos deitados no chão do mundo
Assim caminhava-se:
milhões de cigarras na pele das calçadas
e as pedras suadas
e o cheiro de mata, rio e silêncio
e eu sem saber navegar
e sem sabermos do mar
e o ônibus 614 levando os meninos e meninas
com seus destinos de vento

Nada mais se sabe desta terra
nem do rosto dos seus encantados
estacionados nas madrugadas 
de um mundo sem fusos-horários
O ônibus 614 passou
para fora das horas e das águas
parando mas sem nos deixar

Éramos filhos da terra
com seus  balões  nas noites acesas
seus caçadores pela madrugada
e o espírito da mata nos sonhadores
e os dias com seus mares abertos
onde o ônibus 614 passava
percorrendo quadras, caminhos baldios
antes de embrenhar-se no mundo
e sumir nos ralos do nada

Quem  retorna do amor e suas terras ?
Muitos sonhadores guardam isso
quando a noite enfim nos recriava
Um rio atravessava tudo
sob a chuva que estendeu-se por cem horas
entre pedras, caminhões, estrelas mortas
Tudo desceu pelo dedo das horas
naquela vida assombrada
em que para sobreviver era preciso nascer
em que para nascer era preciso descer
no ônibus 614
em um dia qualquer de fevereiro
em um mundo sem palavras
em pleno estado de comunhão

Não estava escrito nos braços
dos navegantes
nem no navio que nos fez sair
do dia comum
Não estava escrito no passado
onde nos vimos todos em silêncio
recostados nos  mesmo bares e verbos
imunes ao tempo e seu grande cenário
enquanto o ônibus 614
atravessava a imensidão
levando os meninos e meninas
com seus destinos de vento

Tramo com o dia um poema
que se torne passagem
Tramo com os pescadores
uma canção para ninar o mundo
Enquanto a terra não se nina
eu vejo meu filho a me chamar de pai
Enquanto me vejo com um velho realejo
esperando o ônibus 614
que sempre me acena com
sua viagem imaginária
antes de capotar nas ruas reais 
do dia

O ônibus 614 desceu a rua Rocha Miranda
e viu Cristina Maria, feita de adolescência
e passou por dentro do tempo
entre as árvores desencontradas da esperança
pela experiência de ser guiado por uma estrela
que também por nós se guiava
pelos corredores azuis da noite
com o mapa do mar no bolso
com o mapa das águas no coração
Mínimos meninos
pisando nos trilhos de um trem que ia da alegria
a Itaguaí
mas que foi desativado
como foram oceanos
bichos, palavras, amores, amigos
lutas, violões, ventanias






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