Anoto as palavras no mundo
não há latifundios precisos
para salvá-las da salga
e nada na alma que estanque
o sangue que vertem caladas
quando não podem nascer
e se cumprir como a água
Anoto as palavras no mundo
não há latifundios precisos
para salvá-las da salga
e nada na alma que estanque
o sangue que vertem caladas
quando não podem nascer
e se cumprir como a água
Nesta noite densa
em que em vão te
estendo a mão
há um dizer sem razão
nas paredes alquebradas
dessas horas
Há um perscrutar, um indagar
um querer entender
esta danação que aniquila
entre os barcos esquecidos
de enseadas
frias
Escrevo como uma forma de falar
com os pássaros
Não há cansaço nem rotina
neste ato
O esvoaçar dos pássaros sobre
a imensidão
é como o nascimento
de um poema
Também os versos como os pássaros
em voo
já trazem seus roteiros
quando nascem
Tiramos a carcaça do impossível
A pele dos primeiros dias
onde um sol forte reinava
Deixamos aos que viriam
a saga de uma nacão assolada
a senha dos que se nutriam
da casca das estrelas
A alma dos sonhadores
em nós amalgamadas
agora pede passagem
mas a seca da noite é forte
e não hoa rendição negociada
As palavras são os veleiros do acaso
Se o vento permitir chegarão a bom termo
Se em nosso dicionário se cumprirem
resgatarão fevereiro
e este brasão solar esculpido
em nosso existir
Com elas recuperei o código
dos dias
desfiz o desalento dos alquebrados
e aos sonhadores dissuadidos
compartilhei-as como se fossem
o pão do mundo
Se os veleiros
não nos seguirem
Corre se não a iniquidade te atinge
Neste país de pó e fuligem
vá e leva as auroras boreais
que nunca viste
nos alforjes das alforrias provisórias
Deixa para trás
o pelourinho dos dias iguais
as acusações intransponíveis
os amigos mortos
e o balanço sempre postergado
e refeito
do que é certo, do que é direito
do que é doce, do que ensandece
na carne seca da noite
Capinando no sereno
um menino assim se apaga
Pois tudo que a vida mostra
a ele só cabe o nada
Mas muito pior seria
se fosse um menino de Gaza
pra esses não há vintém
nem alforria ou estrada
No mármore da palavra
procuro a sinfonia
que me escapa
como esta noite finda
da qual só ficou a casca
onde se gera um poema
que ninguém abarca
Um relâmpago
do qual só se guarda
o espanto
Arrastavam pelo mar
as redes com a quebração da aurora
E este era sempre o enredo
de suas vidas caladas
No mar que não tem encostas
nem cercas em suas jornadas
traziam para salgar
os peixes que o mar deixava
Usando na sua salga
as suas vidas salgadas
Eu decifrei tua foto e a guardei
nas dunas da noite.
Há um temor não aplacado
na mansidão do teu olhar
calado
A noite teus olhos me abarcam
E eu busco em ti o que há de oceano
e acaso
teus olhos à noite me espreitam
Tristes e atônitos como
as estrelas
de Gaza
Uma revoada de pássaros pode
mudar o horizonte
Uma palavra pode mudar o mundo.
Pássaros ao acaso podem mudar
um destino
se coubéssemos em algum
destino
Evitaríamos assim existir com a ilusão
da qual não comunga os
pássaros, de que
cumprimos destinos
Sigo os países das ruas
calçado em velhos presságios
mas já não diviso os sentidos
que iluminavam seus bairros
Imune à morte do dia
tento salvar a poesia
e sua inerente claridade
das pedras dos calendários
mas é um sonho
ela sangra sob meus passos
Hasteio a linguagem dos versos nesta noite
sem palavras. Longe de ti mas
a navegar pela poesia . Tudo que ela
me deu é muito mais que eu merecia.
Ouro, prata, terras, gado. Podem fazer o arresto
Mas não me tirem a poesia, que me
segue à minha revelia
em nosso rosto se talha
Todos os dias acordamos sitiados
Sabemos que lá fora fica o mar
e seu país
azul.
Sabemos que as ilhas fazem
parte
desse continente ocupado.
E que nossas vidas e outras
oscilam entre os dias serenos
e o abate
E quanto ao mais
nada sabemos
Não poderia fazer teu retrato
Porque teus olhos tristes
não caberiam na moldura. Teus olhos
inundam o mundo. Transbordam da tua alma
de menina errante, destas pequenas cidades
onde as adolescentes minguam e pode-se ver
as estrelas. Teus olhos te desnudam
em plena luz do dia.
No fugazes caminhos
do mundo
me deste um sorriso.
E eu o ensaio em mim
sempre que em mim apareces
E agora aqui sem você
longe da sua companhia
conjugo o verbo amanhecer
Sempre que em mim
amanheces
Uma revoada de pássaros pode
mudar o horizonte
Uma palavra pode mudar o mundo.
Pássaros ao acaso podem mudar
um destino
se coubéssemos em algum
destino
Evitaríamos assim existir com a ilusão
da qual não comunga os
pássaros, de que
cumprimos destinos
Quebro a máquina de janeiro
no coração mudo da matéria
pisando estrelas e vísceras abertas
Sigo sem destino fingindo ter destino
com a alma talhada por pedras
Mas a sombra de um menino me acompanha
diz-me ser eu mesmo antes de mim
Digo-lhe da morte das baleias e ele ri
Acendemos incensos pela noite
No mármore da palavra procuro a sinfonia que me escapa como esta noite finda da qual só ficou a casca onde se gera um poema que ninguém abarca Um relâmpago do qual só se guarda o espanto
Os usuários de poemas e estrelas
precisam saber
que um emigrante deportado do luar
não tem retorno
Quanto de mim ficará em você meu amor
depois que o oceano da tarde desabar?
depois que as mordidas exatas
que te darei no teu corpo
se tornarem tatuagens
errantes
Não há razão para o luto meu amor
depois que terminarmos todas
as festas da carne
Eu mostrarei a marca dos
teus beijos nos bares
e farei para ti os mais
belos poemas do mundo
sem mais me curar do estado de
comunhão para onde por momentos
me levaste
Se para ti palavras são veleiros
então elas te darão retorno
Com elas poderás remar
pelas grandes dunas do invisível
Se cada palavra for também
remo e harpa
terás então as tarrafas
para pescar a encantação
A mulher que acorda os pescadores/
Levanta-se cedo para fertilizar o mundo
Levanta-se suada e linda/Antes do nascer do sol
Com as palavras que a saciam/ já entranhadas
na carne/ mas que desconhecem sua alma de
menina.
A mulher que acorda os pescadores/finge não
saber
o que os poetas sabem
Hasteio
a linguagem dos versos nesta noite
sem palavras. Longe de ti mas
a
navegar pela poesia . Tudo que ela
me deu é muito mais que eu merecia.
Ouro,
prata, terras, gado. Podem fazer o arresto
Mas
não me tirem a poesia, que me
segue
à minha revelia
Se a dor não passa
adorne-se com os poemas
e o sol com que
aquecem
a imprecisão
do mundo
Tudo é uma matemática
clara
no chão da poesia
onde a vida desconhece
as coisas que não amanhecem
Busco
no coração da poesia
Uma palavra mais que etérea
Que já me devolva as esquinas
Ao me apaziguar com toda rima
Busco nesta palavra assombrada
O escopo de seu chão e madrugada
Para então seguir como poeta
Já não mais em terras
assoladas
Que o encontro com as leis
das águas
Seja belo nesta busca finda
Onde cada palavra
que me escapa
Volte a mim já não mais
silenciada
Para que no coração que a enlaça
Faça em suas estiagens nascer
vinhas
Cada pessoa guardará
Lido com a face secreta do mar
profaná-las
Muitos poetas te amaram
mas eu te amei muito mais
porque estavas
Se tudo não se acertar
seremos cantores mudos
mas quem nos alforriará
de ser sonhadores no mundo?
Corre se não a iniquidade te atinge
Neste país de pó e fuligem
vá e leva as auroras boreais
que nunca viste
nos alforjes das alforrias provisórias
Deixa para trás
o pelourinho dos dias iguais
as acusações intransponíveis
os amigos mortos
e o balanço sempre postergado
e refeito
do que é certo, do que é direito
do que é doce, do que ensandece
na carne seca da noite
Éramos 33 poetas
apesar das falhas do céu
dos talhos no chão da carne
Amontoados sob o silêncio
das tardes com gomos de chuva
por cima da morte das baleias
e do jasmim
dizendo que assim era o plano
que ninguém morreria
no Outono
33 poetas
como Cristina Maria
que tinha cheiro de hortelã
e maresia
e pele morena de porcelana
33 poetas
assim como Luiz Carlos
batalhando no sol de São Gonçalo
ferido nos inúmeros sobrados
que trazia em si e não sabia
33 poetas
esperando a polícia todo dia
fosse inverno verão ou primavera
Isso num tempo distante
quando eu ia correndo
pelas ruas
e o tempo estava estancado
não era como agora
hemorragia de aurora
Éramos como Edgar
- caçador de balões -
herói como todos nós
que sabia subir em jaqueiras
e nunca pensou
que iria enlouquecer
33 poetas
como Janda em Salvador
falando da guerrilha perdida
da adolescência perdida
de todas as coisas que não iam
mais dar certo
apesar do mistério da Bahia
em plena terça-feira de carnaval
no verão da anistia
Éramos 33 poetas
como Odemir
que escreveu um poema assim:
Marta, um homem não é um trombone
Assim éramos tantos
voltando do exílio
falando dos canaviais
e das lutas pela vida e pela paz
numa avenida paulista
corrompida de carros
Éramos 33 poetas
apesar do tempo ser um animal solto
a máquina de quebrar encantação
que antes não quebrava nada
mas hoje me quebra os dentes
e a cartilagem do rosto
Se desse para fazer girar a máquina
escreveria um conto
entre plantas e algas de sol
Ergueria nas paredes brilhantes
blocos de ventanias sumidos
e beberia contigo
nas fontes nas águas nos vinhos
nas cidades sem tempo
nos horizontes abertos
com a pele chamuscada
de marítimas vertigens
e perigos
Onde está Luiz Maranhão
desaparecido
ninguém sabe
ninguém responde
Havia uma bota no caminho
havia o cheiro de cilada e sonho
sobrevoando São Paulo
milharal de luzes
diamante aceso
na noite perdida
de 1974
Éramos 33 poetas
em Santa Teresa
longe da Avenida São João
do petróleo queimado
e das vidas queimadas inutilmente
nas ruas escuras
nos planos nefastos
onde baniu-se para sempre
a realidade e a ternura
Éramos 33 poetas
com planos na terra
com as almas brandas
e as noites soltas
mas não sabíamos
que um vendaval espalharia
os nossos versos
as vozes as cópulas
músicas sobrariam no ar
o tempo uma rede blindada
faria apagar da memória
os tratados das noites mornas
como se isso fosse possível
e Edgar ainda subisse em jaqueiras
Ernesto tomasse a sua cerveja gelada
Cristina com seu hálito de fada
o tempo com sua malha de máquinas
telha frágil nó desatado
não revelou sua face aguada
só disse o seu lado concreto
que não vai dar no mar
mas no deserto
e assim se proclamou
súdito da cidade
senhor da dor e da saudade
Embora no calendário do dia
eu não veja o último verão
sinto os 33 poetas
com seus violões velhos
e gastos
tomarem de assalto
o dia
Estiagens e vinhas
Busco no coração
da poesia
Uma palavra mais que etérea
Que já me devolva as esquinas
Ao me apaziguar com toda rima
Busco nesta palavra assombrada
O escopo de seu chão e madrugada
Para então seguir como poeta
Já não mais em terras assoladas
Que o encontro com as leis das águas
Seja belo nesta busca finda
Onde cada palavra que me
escapa
Volte a mim já não mais
silenciada
Para que no coração que a enlaça
Faça em suas estiagens nascer vinhas
No mármore da palavra
procuro a sinfonia
que me escapa
como esta noite finda
da qual só ficou a casca
onde se gera um poema
que ninguém abarca
Um relâmpago
do qual só se guarda
o espanto
À noite sem o amor prevalecer
Os elevadores rangem submissos
Gemidos já não ressurgem/ Não há salvação
possível/ Ao longe a exaustão do mar