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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Ônibus 614



A noite por dentro das horas e do amor
e os rostos deitados no chão do mundo
Assim caminhávamos
Milhões de cigarras na pele das calçadas
e as pedras suadas
e o cheiro de rio mata e silêncio
e eu sem saber navegar
e sem sabermos do mar
e o ônibus 614 levando os meninos
com seus destinos de vento
Nada mais se sabe desta terra
nem do rosto dos seus encantados
estacionados nas madrugadas
de  um mundo sem fusos horários
A noite por dentro das horas
e havia os heróis e não heróis
os balões que subiam nas noites acesas
e seus caçadores pela madrugada
e o espírito da mata sobre os sonhadores
e os primeiros amores
e os dias com seus mares abertos
onde o ônibus 614 passava
antes de embrenhar-se no nada
e nos amarrar para sempre
nas tramas da madrugada
O ônibus 614 passou
sob a chuva que caiu para sempre
entre pedras caminhões estrelas mortas
tudo desceu pelo dedo das horas
naquela vida assombrada
em que para sobreviver era preciso nascer
 em que para nascer era preciso descer
no ônibus 614
em um dia qualquer de fevereiro
em um mundo sem palavras
em pleno estado de comunhão
Não estava escrito nos braços
dos navegantes
Não estava escrito na cidade
onde nos vimos todos em silêncio
imunes ao tempo e seu grande cenário
nos mesmos  bares e verbos
por onde este ônibus passava
levando os meninos e meninas
com seus destinos de vento
Tramo com o dia um poema
que se torne passagem
Tramo com os pescadores
uma canção para ninar o mundo
Enquanto o mundo não se nina
eu nino meu filho que me aguarda
enquanto não cresce
enquanto espero o ônibus 614
que sempre me acena com a sua viagem impossível
antes de capotar nas ruas reais do dia
O ônibus 614 desceu a rua Rocha Miranda
e viu Cristina Maria feita de adolescência
e passou por dentro do tempo
entre as árvores desencontradas da esperança
pela experiência de ser guiado por uma estrela
que também por nós se guiava
pelos corredores azuis da noite
com o mapa do mar no bolso
com o mapa das águas no coração
Mínimos meninos
pisando nos trilhos de um trem que ia da alegria
a Itaguaí
mas que foi desativado
como foram oceanos
bichos palavras amores amigos
lutas violões ventanias

   Do livro "Recomendações aos sonhadores"
               
                          de Francisco Orban




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